sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Caipira e o Tempo

Luiz Mozzambani Neto em visita ao estudioso da cultura caipira Antonio Candido.


Começo este blogue relatando minha visita ao Mestre Antonio Candido que se deu no último dia 16 de julho, segunda-feira, em sua casa em São Paulo.

O convite partiu de um amigo que prefere ser chamado pelo heterônimo Dersu Uzala e foi aceito prontamente. Como poderia perder a oportunidade de prosear com o mestre? Não poderia! Então fui! Seis horas de ida e seis horas de volta para uma prosa que valeu cada quilometro rodado.

Na verdade esta foi minha segunda visita ao mestre (a primeira deu-se em janeiro) e o assunto tratado tanto numa como noutra visita foi a cultura caipira, influenciados que fomos pelo livro Parceiros do Rio Bonito, uma das maiores referências literárias quando o assunto á cultura caipira.

Como deve ser a regra na casa deste simpático senhor de 92 anos, fomos recebidos com muita cordialidade   tanto pelo dono como pela simpática empregada. Aliás, no prédio em que Antonio Candido mora, todos os funcionários são muito educados e simpáticos. Talvez cordialidade e simpatia sejam atitudes contagiosas! rsrsrsrs


Confortavelmente sentados nos sofás da ampla sala onde MArcel Proust se faz presente através de toda sua obra, bebemos na fonte do saber caipira por mais de duas horas. Sua memória é admirável. Mesmo tendo estudado mais profundamente a cultura caipira em sua vertente roceira, tendo publicado sobre ela o livro "Parceiros do Rio Bonito", quando indagado sobre a cultura do peão de boiadeiro não só se mostrou um profundo conhecedor da matéria como também lembrou de uma canção de boiadeiro que cantava quando criança. Não só lembrou como cantou a música inteirinha. 


Falamos de muitas coisas do universo da cultura caipira numa conversa franca e sem intermediários, feita prosa caipira de verdade. E como não poderia deixar de ser numa sala em que Proust se fazia presente com toda sua incrível obra, falamos também do tempo, o tempo que sequestraram do caipira com a chegada do processo civilizatório nas área de abrangência de sua cultura.

Não tenho a memória prodigiosa dele, mas existem coisa que ficam gravadas para sempre. Eis algumas frase do mestre sobre o tempo!

"Hoje em dia ele (o caipira) tem muito mais escolha do que vai comer, o caipira tem facilidades de comer muito mais coisas do que comia antes. Em compensação, o tempo dele está confiscado. (...) Talvez uma das frases mais diabólicas do capitalismo seja "Tempo é dinheiro!" "time is money""

"Antigamente, no começo da revolução industrial era muito frequente os operários dormirem debaixo das máquinas (...) Eles eram acordados com o chicote do contra-mestre. Por que? Porque o tempo pertence ao patrão! O tempo não pertence a ele... Por que o tempo pertence ao patrão? Porque tempo é dinheiro!"

"Tempo é dinheiro é a frase mais diabólica do capitalismo porque criou em todos nós a ideia de que se você não está fazendo nada é um pecado grave. Você não tem o direito mais de vagabundear... Ficar olhando a natureza é feio! O que você está fazendo? Nada! Não pode! A administração capitalista é diabólica... Impede você de pensar em você mesmo! Impede você de meditar! Impede você se divertir! Impede você de ter uma aventura... (...) A figura do tempo no caipira é isso... A cultura caipira pressupõe muito mais tempo disponível. Quando você acaba com o tempo, você acaba com o caipira..."

"No tipo de vida que o caipira tradicional levava, o tempo de trabalho que ele dispensava era aquele que ele precisava... Lazer também era trabalho; havia trabalho também no lazer... Inclusive era no lazer que ele cultivava a arte: moda de viola, causos, artesanato..."

"Confiscar o tempo é uma coisa terrível quando você pensa que tempo é vida! Quando alguém... Você não tem direito ao tempo; você não tem direito à vida!"

"Se ele tiver tempo ele se humaniza! Quando o tempo é confiscado ele se torna máquina. Ele precisa do tempo para conhecer a arte, conhecer o esporte, conhecer o lazer..." 

 E como bem disse meu amigo Dersu Uzala, o que se aplica ao caipira em relação ao tempo aplica-se também a toda humanidade. Tiraram nosso tempo... Acabaram com a gente...

Resta saber quanto tempo ainda temos para tentarmos reconquistar o tempo que nos tiraram!

TEMPO É VIDA E NÃO DINHEIRO!

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